Fibrose Cística
A Fibrose Cística afeta o epitélio das glândulas exócrinas, resultando em secreções espessas e viscosas, que obstruem os ductos glandulares, levando a infecções crônicas, inflamação, fibrose e disfunção orgânica em diversos sistemas, incluindo os pulmões, pâncreas, intestinos e glândulas sudoríparas.
No filme os personagens não podem se beijar, e não é porque a fibrose cística é transmissível, mas porque um fibrocístico não pode ter contato com outro, já que o acúmulo de muco causado pela doença, facilita infecções causadas por bactérias. Com a possibilidade de contaminação cruzada entre eles, durante uma conversa, ou por um espirro ou tosse (sintomas comuns em pacientes com FC), é muito importante que ambos mantenham uma distância de segurança, de 1 metro (ou ‘5 passos’). Por isso, o nome do filme.
Definição
A fibrose cística também conhecida como Doença do Beijo Salgado ou Mucoviscidose, é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada por disfunções no transporte de íons nas células epiteliais, resultando em secreções espessas e viscosas. Esta patologia é causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator), localizado no braço longo do cromossomo 7, que codifica uma proteína de canal de cloreto regulada pelo monofosfato de adenosina cíclica (cAMP).
O defeito mais comum, a deleção F508del, é responsável por aproximadamente 85% dos casos, embora mais de 2000 variantes menos frequentes também tenham sido identificadas.A proteína CFTR desempenha um papel crucial no transporte de cloreto, sódio e bicarbonato através das membranas das células epiteliais, afetando vários órgãos, incluindo os pulmões, pâncreas, fígado, intestinos e glândulas sudoríparas. Em indivíduos afetados pela fibrose cística, a disfunção ou ausência da CFTR leva à produção de muco espesso que obstrui os ductos das glândulas exócrinas, resultando em infecções respiratórias crônicas, insuficiência pancreática e outros problemas digestivos.
A manifestação clínica da doença ocorre em indivíduos homozigotos para as mutações no gene CFTR, enquanto heterozigotos podem apresentar alterações sutis no transporte de eletrólitos, mas geralmente são assintomáticos. As variantes da CFTR são classificadas em seis categorias baseadas em seu impacto na função da proteína, com as classes I, II e III associadas a formas mais graves da doença e as classes IV, V e VI a formas mais leves, refletindo uma função residual da proteína.
Aspectos Histológicos da Fibrose Cística
Na fibrose cística, o aspecto histológico mais afetado é o epitélio das glândulas exócrinas, principalmente nas vias respiratórias, pâncreas, intestinos e glândulas sudoríparas. A doença provoca a produção de secreções espessas e viscosas devido à disfunção na proteína CFTR, responsável pelo transporte de íons cloreto, sódio e bicarbonato nas células epiteliais.
Como a Fibrose Cística(FC) afeta o epitélio do ser humano?
A) No Pulmão:
- Acúmulo de Muco Espesso: A disfunção do CFTR resulta na produção de muco espesso que obstrui as vias aéreas, dificultando a eliminação de bactérias e outros patógenos.
- Inflamação e infecção crônica: O muco retido cria um ambiente propício para infecções bacterianas crônicas, levando a inflamação persistente, destruição do tecido pulmonar e bronquiectasias (dilatação crônica dos brônquios com catarro mucopurulento).
- Danos ao Epitélio: A inflamação contínua e a infecção crônica danificam o epitélio respiratório, resultando em fibrose (formação de tecido cicatricial) e comprometimento da função pulmonar.
B) No Pâncreas:
- Obstrução dos ductos pancreáticos: As secreções espessas bloqueiam os ductos pancreáticos, impedindo a liberação de enzimas digestivas no intestino.
- Insuficiência Pancreática: A obstrução crônica leva à inflamação, destruição do tecido pancreático exócrino e eventual insuficiência pancreática, resultando em má digestão e má absorção de nutrientes.
- Fibrose e Cistos: o tecido pancreático danificado é substituído por fibrose e cistos, prejudicando ainda mais a função do órgão em sua totalidade.
C) No Intestino:
- Obstrução intestinal: O muco espesso pode causar bloqueios intestinais, levando a condições como Íleo meconial (bloqueio do intestino delgado em recém-nascido provocado por conteúdo intestinal – mecônio -, excessivamente espesso em recém-nascidos e síndrome da obstrução intestinal distal em adultos.
- Inflamação e Ulceração: A obstrução e o muco espesso podem causar inflamação e ulceração do epitélio intestinal, contribuindo para dores abdominais e distúrbio digestivos.
D) Nas Glândulas Sudoríparas:
- Alteração na secreção de suor: O CFTR defeituoso nas glândulas sudoríparas altera a reabsorção de cloreto e sódio, resultando em suor excessivamente salgado.
- Impacto no Equilíbrio Eletrolítico: A perda excessiva de sal no suor pode levar a desequilíbrios eletrolíticos, especialmente em condições de calor ou exercício intenso.
Mecanismo Genético da Doença
A fibrose cística é a doença genética autossômica recessiva com maior frequência em populações eurodescendentes, causada por variações na sequência do gene que codifica a proteína cysticfibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). Esse gene é presente no braço longo do cromossomo 7 (locus 7q31) e é dividido em 27 éxons, dando origem a uma proteína composta de 1.480 aminoácidos.
A prevalência estimada em diversos países é de 1 para cada 2.800–3.500 nascidos vivos. No Brasil, cerca de 1 a cada 10 mil nascidos vivos sofrem com a doença.
O defeito principal da fibrose cística é a função anormal de uma proteína epitelial de canal de cloreto codificada pelo gene regulador de condutância transmembrana da FC (CFTR). Mutações ocorridas no CFTR tornam as membranas epiteliais impermeáveis a íons de cloreto, levando à produção de suor hipertônico (“salgado”). A modificação ocorrida na CFTR dos epitélios respiratório e intestinal, ao contrário do que ocorre nas glândulas sudoríparas, resulta na perda ou na redução da secreção de cloreto para a luz, reduzindo o conteúdo de água da camada fluida superficial que reveste as células mucosas. Essa desidratação promove a ação mucociliar defeituosa e o acúmulo de secreções concentradas viscosas no pulmão, obstruindo as passagens áreas e aumentando a predisposição a patologias.
Mais de 1.800 mutações causadoras de doença foram identificadas no gene CFTR. Mutações graves estão relacionadas com a perda completa da função da proteína CFTR, ao passo que as mutações leves possibilitam alguma função residual. A mutação de CFTR grave mais comum é a deleção de três nucleotídeos responsáveis pela codificação da fenilalanina do aminoácido de posição 508 (∆F508). Isso causa o dobramento defeituoso e a perda total da CFTR. Ao redor do mundo, a mutação de ∆F508 é encontrada em cerca de 70% dos pacientes com FC. Como a FC é uma doença autossômica recessiva, os indivíduos afetados possuem mutações em ambos os alelos. Existem evidências de que outros genes modificam a frequência e a gravidade dessas manifestações órgão-específicas. Como exemplos de genes modificadores, têm-se o da lectina ligadora de manose 2 (MBL2) e o do fator transformador de crescimento β1 (TGF-β1). Pressupõe-se que polimorfismos nesses genes influenciam a capacidade de os pulmões tolerarem infecções com microrganismos virulentos.
Sintomas
Quase todas as glândulas exócrinas são afetadas com distribuição variável em grau de gravidade. Ao nascimento, os pulmões geralmente apresentam histologia normal; a maioria dos pacientes desenvolve sinais de doença pulmonar, que se inicia no lactente ou precocemente na infância. Rolha de muco e infecção crônica bacteriana, acompanhada de resposta inflamatória pronunciada, danificam as vias respiratórias, levando finalmente a bronquiectasia e insuficiência respiratória. O processo é caracterizado por exacerbações episódicas com infecção e declínio progressivo da função pulmonar. A lesão pulmonar começou provavelmente com obstruções difusas nas pequenas vias respiratórias, por secreções mucosas espessas.
Secundariamente à obstrução e à infecção, ocorrem bronquiolites e rolhas purulentas nas vias respiratórias. Inflamação crônica secundária à liberação de proteases – enzimas que catalisam a hidrólise (quebra de ligação covalente com participação de uma molécula de água) das ligações peptídicas de outras proteínas, clivando-as em fragmentos de aminoácidos menores – e citocinas pró-inflamatórias – proteínas que têm a função de sinalização, mediando funções celulares – pelas células nas vias respiratórias também contribui para lesão pulmonar.
Cinquenta por cento dos pacientes não diagnosticados nos testes de triagem neonatal apresentam manifestações pulmonares frequentemente iniciadas no lactente. Infecções recorrentes ou crônicas manifestam-se comumente com tosse, produção de escarro e respiração ruidosa. A tosse é o sintoma crônico mais comum, frequentemente acompanhada de produção de expectoração, vômitos e distúrbios do sono. Com a evolução da doença, surgem retrações intercostais, respiração com músculos acessórios, deformidade em barril do tórax, dedos em baqueta, cianose e menor tolerância a exercícios. O envolvimento do trato respiratório superior inclui polipose nasal e rinossinusite crônica ou recorrente.
Diagnóstico
A maioria dos casos de fibrose cística é inicialmente identificada por triagem neonatal, mas até 10% só são diagnosticados na adolescência ou início da idade adulta. Apesar dos avanços nos exames genéticos, o teste de cloreto no suor continua sendo o padrão.
O suor localizado é estimulado com pilocarpina, e determina-se a quantidade de suor e a concentração de cloreto. Embora as concentrações de cloreto no suor aumentem gradativamente com a idade, o teste é válido para todas as idades:
- Normal: ≤ 30 mEq/L (≤ 30 mmol/L) (FC é improvável.)
- Intermediário: 30 a 59 mEq/L (30 a 59 mmol/L) (FC é possível.)
- Anormal: ≥ 60 mEq/L (≥ 60 mmol/L) (esse resultado é consistente com FC)
Conduta
O tratamento de manifestações pulmonares concentra-se na prevenção da obstrução das vias respiratórias e na profilaxia para controle das infecções pulmonares. A profilaxia contra infecções pulmonares inclui a manutenção da imunidade, para diversas doenças como coqueluche, varicela e sarampo. Recomenda-se medidas de desobstrução das vias respiratórias consistindo em drenagem postural, percussão, vibração e tosse assistida (fisioterapia torácica) no momento do diagnóstico, devendo ser realizada com regularidade. Para pacientes com obstrução reversível das vias respiratórias, podem ser administrados broncodilatadores inaláveis. Corticoides inaláveis geralmente não são eficazes. Indica-se terapia com oxigênio para pacientes com insuficiência pulmonar grave e hipoxemia.
Os moduladores RTFC podem melhorar a função pulmonar, aumentar o peso, melhorar a função pancreática exócrina, diminuir a frequência das exacerbações pulmonares e hospitalizações, melhorar a qualidade de vida e reduzir e, às vezes, normalizar as concentrações de cloreto no suor (6). As indicações para ivacaftor, lumacaftor/ivacaftor, tezacaftor/ivacaftor e elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor baseiam-se nas variantes do RTFC e na idade do paciente e estão mudando rapidamente. Embora todos esses medicamentos possam ser úteis, apenas o ivacaftor e a combinação de elexacaftor, tezacaftor e ivacaftor são considerados uma terapia moduladora altamente eficaz.
Em geral, é necessário discutir o transplante pulmonar. Com relação ao transplante, os pacientes precisam ponderar as vantagens de uma sobrevida mais longa com um transplante contra a incerteza de, uma vez feito o transplante, continuarem enfermos. O transplante lobar bilateral de pulmão de doador falecido e de doador vivo tem sido realizado com sucesso em pacientes com doença pulmonar avançada. O transplante combinado de fígado e pulmão tem sido realizado para pacientes com doença hepática e pulmonar em estágio terminal.
Referências
Kliegman, R. M., et al. (Editors). Nelson Textbook of Pediatrics. 21st edition. Elsevier, 2019.
Jameson, J. L., et al. (Editors). Harrison’s Principles of Internal Medicine. 20th edition. McGraw-Hill Education, 2018.
Kumar, V., Abbas, A. K., & Aster, J. C. Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease. 10th edition. Elsevier, 2020
Kumar, V. Robbins Patologia Básica. 10ª edição. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2018. E-book. ISBN 9788595151895. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595151895/. Acesso em: 20 mai. 2024
Rosa, K. M. DA. et al.; Genetic and phenotypic traits of children and adolescents with cystic fibrosis in Southern Brazil. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 44, n. 6, p. 498–504, nov. 2018.
Sawicki, Gregory. Fibrose cística. Manuais MSD edição para profissionais. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/pediatria/fibrose-c%C3%ADstica/fibrose-c%C3%ADstica#Tratamento_v1090380_pt. Acesso em: 20 maio 2024.