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LAEMA POP: Demolidor

Data da publicação: 14 de junho de 2025 Categoria: LAEMA POP

TEMA: NEUROPLASTICIDADE

Você já assistiu à série Demolidor?
Após perder a visão, o herói desenvolve sentidos aguçados que o ajudam a perceber o mundo de forma extraordinária. Mas isso não é só ficção: esse fenômeno tem base científica e se chama neuroplasticidade — a incrível capacidade do cérebro de se reorganizar e adaptar, criando novas conexões para compensar perdas sensoriais. Quer entender como isso funciona na vida real? Confira!

Fonte: CinemaWeb

 

1- A Neuroplasticidade

A neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de se adaptar e formar novas conexões neuronais ao longo da vida. Por meio desse processo, o cérebro pode estabelecer comunicação entre neurônios que antes não interagiam, possibilitando a reorganização de suas redes. Essa comunicação ocorre por meio de sinapses elétricas, acompanhadas da liberação de neurotransmissores. De acordo com os estímulos recebidos, pode haver um rearranjo das conexões neuronais, o que significa que, quanto mais uma área cerebral é utilizada, mais desenvolvida ela tende a se tornar. Assim, algumas conexões se fortalecem e certas regiões do cérebro podem se modificar com base no uso e na experiência.

A neuroplasticidade permite não apenas o aprimoramento de funções específicas, mas também a recuperação parcial de funções após lesões no sistema nervoso central (SNC). Quando ocorre uma lesão, os axônios remanescentes podem desenvolver novas ramificações e estabelecer novas sinapses, promovendo alterações funcionais e comportamentais. O SNC, nesse contexto, tenta compensar a perda de função ou fortalecer circuitos que se enfraqueceram.

Embora os neurônios não tenham a capacidade de se dividir e se replicar após uma lesão, eles conseguem promover mudanças estruturais em resposta à experiência e ao ambiente — o que caracteriza a neuroplasticidade. O processo de aprender e reaprender depende diretamente dessa capacidade do cérebro. Ao longo da vida, à medida que interagimos com o meio, as redes neuronais se reorganizam, sinapses são reforçadas e novas respostas comportamentais tornam-se possíveis. Essas alterações plásticas incluem o crescimento de novas terminações e botões sinápticos, além do aumento das áreas sinápticas funcionais. Um exemplo notável é o efeito sensorial compensatório observado em indivíduos com deficiência visual.

O córtex occipital, responsável pelo processamento visual, apresenta adaptações plásticas significativas em pessoas cegas. Quando há perda da visão, essa região pode passar a processar informações não visuais de forma mais eficiente. Isso ocorre, em parte, pela eliminação de sinapses não funcionais, anteriormente dedicadas à visão, permitindo que o cérebro redirecione seus recursos para outras modalidades sensoriais. Essa forma de reorganização é conhecida como plasticidade cruzada, ativada em resposta à privação sensorial, como a ausência da visão. Já a plasticidade multimodal refere-se à alteração do equilíbrio entre as redes neurais, permitindo que vias anteriormente inibidas pela visão se tornem ativas e contribuam para o processamento de outros estímulos sensoriais.

Estudos demonstram que essa reorganização não se limita ao córtex visual, mas também ocorre em regiões como o tálamo e o córtex auditivo de indivíduos cegos, indicando uma adaptação em múltiplos níveis do SNC. Além disso, pesquisas sobre a espessura cortical revelam diferenças estruturais entre cegos congênitos, tardios e pessoas com visão normal. Observou-se que o córtex visual de indivíduos cegos desde o nascimento (congênitos) é mais espesso do que o de cegos adquiridos e não cegos. Isso se deve ao acúmulo de sinapses funcionais no córtex visual, uma vez que a ausência de estímulos visuais impede a poda sináptica típica do desenvolvimento, mantendo um número maior de conexões.

Portanto, a melhora no processamento de informações não visuais em deficientes visuais está diretamente relacionada à manutenção e ao redirecionamento de sinapses no córtex occipital. Em cegos congênitos e precoces, muitas sinapses que seriam ineficazes para a visão acabam sendo recrutadas para o suporte de outras funções sensoriais, demonstrando o potencial adaptativo do cérebro humano diante de alterações sensoriais significativas.

2 – A fisiologia e histologia dos sentidos compensatórios

Quando tratamos sobre os sentidos de pessoas que vivem com deficiências, como a visual, é necessário entender a fisiologia e a histologia por trás dos mecanismos de compensação dos sentidos pela neuroplasticidade, uma vez que eles se tornam mais aguçados. Sendo assim, a privação sensorial é capaz de alterar significativamente a estrutura cerebral e suas funções, resultados comportamentais e interações neuronais. Por exemplo, indivíduos cegos podem apresentar, muitas das vezes, um uso igual ou até melhor do que os que conseguem ver, tanto em audição quanto no tato. Essa melhora nos sentidos vem acompanhada de mudanças no córtex occipital, visto que ele se torna responsivo a estímulos não visuais, ou seja, não existem alterações histológicas evidentes , e sim funcionais.

As integrações multissensoriais têm um papel fundamental na percepção do mundo pelo sujeito. Além disso, todos os sentidos provêm informações que se complementam e que se sobrepõem, com o objetivo de caracterizar o nosso ambiente de maneira completa. Inclusive, é importante salientar que, em indivíduos com limitações, essa estratégia integrativa , também, é que observada nos comportamentos compensatórios que sucedem a perda de alguma modalidade sensorial, visto que, apesar dos inúmeros desafios, seres humanos cegos adaptam-se, com o fito de se integrar com o ambiente de maneira eficaz.

 Sob esse viés, os cegos ( principalmente quando cegos desde o nascimento ou desde o período da infância ) apresentam habilidades mais refinadas em comparação com sujeitos com visão, como discriminação tátil aguçada ( importante para a leitura de Braille), discriminação da altura dos sons, além da  localização espacial do som. Um fato interessante é que, entre os indivíduos cegos, existem aqueles capazes de utilizar o som para situar-se no ambiente. Dessa forma, eles utilizam da ecolocalização, por meio da produção de sons e a utilização do eco para percepção do ambiente em volta.

Assim, cegueira precoce traz uma gama maior de possibilidades para adequação plástica mais pronunciada, tanto no desempenho quanto no recrutamento do córtex occipital por vias córtico-corticais, principalmente quando aliadas com treinamentos extensivos, como leitura em Braille e música. Entretanto, vale a pena ressaltar que a cegueira tardia não traz os mesmos resultados geralmente.

Portanto, faz-se necessário entender que a perda de visão não significa, necessariamente, uma limitação completa na integração sensorial do mundo, mas sim um reconfiguração dos sentidos devido a incrível plasticidade do cérebro humano. A compreensão da Fisiologia e Histologia salienta o valor da inclusão e da acessibilidade, além disso reforça o potencial de indivíduos com deficiência visual, principalmente quando há estímulos suficientes para o desenvolvimento pleno.

 

3 – Aspectos histológicos do tecido nervoso e sua capacidade de adaptação

Os neurônios são as células do tecido nervoso que recebem e processam informações, e as transmitem a outras células. Eles são constituídos de um corpo celular e de prolongamentos do corpo celular – os dendritos e o axônio. O volume total dos prolongamentos costuma ser maior do que o volume do corpo celular.

Há muitos tipos de neurônios, que, de acordo com sua morfologia, podem ser classificados em:

  • Neurônios bipolares: têm um dendrito principal e um axônio
  • Neurônios multipolares: têm vários dendritos e um axônio
  • Neurônios pseudounipolares: emitem um curto prolongamento que logo se divide em dois: um se dirige para a periferia e o outro para o SNC
  • Neurônios anaxônicos: não têm axônio ou seu axônio não pode ser diferenciado dos dendritos.

A plasticidade neuronal é muito grande durante o desenvolvimento embrionário, quando se forma um excesso de neurônios. Os que não estabelecem sinapses corretas com outros neurônios são eliminados.

Após uma lesão do SNC de mamíferos adultos, os circuitos neuronais se reorganizam graças ao crescimento dos prolongamentos dos neurônios, que formam novas sinapses para substituir as perdidas pela lesão. Assim, estabelecem-se novas comunicações, que, dentro de certos limites, podem restabelecer as atividades funcionais dos circuitos perdidos. Essa propriedade do tecido nervoso é denominada plasticidade neuronal.

Neuroplasticidade Regenerativa

A plasticidade regenerativa compreende a neurogênese, ou seja, a formação de novos neurônios . Aproximadamente até o final do primeiro trimestre de vida embrionária, o embrião já possui cerca de 80% dos neurônios que terá durante sua vida toda. A capacidade proliferativa do sistema nervoso central vai se esgotando ao longo do desenvolvimento com exceção de áreas como o bulbo olfatório e o giro dentado do hipocampo. No hipocampo, a neurogênese na fase adulta contribui com as complexas funções de memória e aprendizado dos indivíduos. Entretanto, mesmo nessas áreas, a neurogênese adulta é limitada em relação à

reposição numérica de neurônios. Ao sofrer danos, o cérebro adulto é capaz de compensá-los por meio de novas conexões entre os neurônios sobreviventes, entretanto, o SNC (sistema nervoso central) possui uma capacidade limitada de reparação já que a maioria das regiões cerebrais são desprovidas de células tronco. Uma população estável de neurônios pode ser uma necessidade biológica para espécies cuja sobrevivência depende do comportamento adquirido. Porém, em um estudo recente após uma explosão nuclear, pesquisadores sabiam que a concentração atmosférica de carbono 14 iria aumentar e que esse radioisótopo é incorporado às células em divisão nos organismos. Assim, por meio da varredura de carbono 14 nos encéfalos desses indivíduos, os pesquisadores descobriram cerca de 700 novos neurônios gerados diariamente no hipocampo de adultos. Além disso, a mesma pesquisa revelou neurogênese no corpo estriado (um dos núcleos basais do diencéfalo). Tal pesquisa foi revolucionária pois os neurônios de recém-nascidos não podem ser detectados por meio da técnica com carbono 14, o que indicava que realmente eram novos neurônios.

 

4- Referências

  1. JUNQUEIRA, Luiz Carlos U.; CARNEIRO, José. Histologia básica: texto e atlas. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2023. E-book. p. 163. ISBN 9788527739283. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788527739283/. Acesso em: 25 maio 2025.
  2. LAZZOUNI, L.; LEPORE, F. Compensatory plasticity: time matters. Frontiers in Human Neuroscience, v. 8, p. 340, 12 jun. 2014. DOI: https://doi.org/10.3389/fnhum.2014.00340. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4054015/. Acesso em: 19 maio 2025.
  3. MERABET, L. B.; PASCUAL-LEONE, A. Neural reorganization following sensory loss: the opportunity of change. Nature Reviews Neuroscience, v. 11, n. 1, p. 44–52, jan. 2010. DOI: https://doi.org/10.1038/nrn2758. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3898172/. Acesso em: 20 maio 2025.
  4. ROSA, Cássia Rodrigues. A neuroplasticidade como alternativa terapêutica na paralisia cerebral. 2002. 61 f. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas) – Faculdade de Ciências da Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2002. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/2476/2/9911293.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.
  5. SALOMÃO, Laís Monteiro. Neuroplasticidade, uma abordagem neurocientífica do cérebro em transformação. 2021. Disponível em: https://bdta.abcd.usp.br/directbitstream/87cab12f-ab67-4528-b22d-eb4265f1e8e3/3070039.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.
  6. SILVA, Paulo Ramiler et al. Neuroplasticity in visual impairments. Neurology International, [S.l.], v. 10, n. 4, p. 7326, 19 dez. 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6322049/. Acesso em: 25 maio 2025.
  7. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Cérebro tem capacidade de se reconfigurar e ser treinado para melhores resultados. Jornal da USP, 23 maio 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/cerebro-tem-capacidade-de-se-reconfigurar-e-ser-treinado-para-melhores-resultados/. Acesso em: 25 maio 2025.
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