TEMA: DOENÇAS DO BEIJO
1- MONONUCLEOSE INFECCIOSA (“DOENÇA DO BEIJO”)
O vírus Epstein-Barr (EBV) causa a mononucleose infecciosa, que caracteriza-se por febre, faringite, linfadenopatia generalizada, esplenomegalia e aparecimento de linfócitos T ativados atípicos (células da mononucleose no sangue). Alguns indivíduos desenvolvem hepatite, meningoencefalite e pneumonite. E está associado ao surgimento de alguns linfomas e carcinomas nasofaríngeos. O EBV é transmitido por contato humano íntimo, frequentemente por meio da saliva durante o beijo. Não se sabe se as células B, as células epiteliais da orofaringe ou ambas constituem a fonte do vírus. O EBV infecta as células B e, possivelmente, as células epiteliais da orofaringe. Foi levantada a hipótese de que o EBV infecta inicialmente as células epiteliais da orofaringe e, em seguida, propaga-se para o tecido linfoide subjacente (tonsilas e adenoides), onde as células B maduras são infectadas.
Em crianças pequenas, a infecção pelo EBV manifesta-se classicamente com febre, faringite, linfadenite e as outras características já mencionadas. Entretanto, o mal-estar, a fadiga e linfadenopatia constituem a apresentação comum em adultos jovens com mononucleose infecciosa, podendo levantar a suspeita de leucemia ou linfoma; o EBV também pode causar febre de origem indeterminada, sem linfadenopatia significativa ou outros achados localizados, hepatite semelhante a uma das síndromes virais hepato trópicas e exantema febril semelhante à rubéola. O diagnóstico depende dos seguintes achados (por ordem crescente de especificidade): (1) linfocitose com os linfócitos atípicos característicos no sangue periférico; (2) reação de anticorpos heterófilos positivos (teste Monospot); e (3) elevação dos títulos de anticorpos específicos contra antígenos do EBV (antígenos do capsídeo viral, antígenos precoces ou EBNA). Na maioria dos pacientes, ocorre resolução da mononucleose infecciosa em 4 a 6 semanas; todavia, algumas vezes, a fadiga é de maior duração. Em certas ocasiões, surgem uma ou mais complicações. Talvez a mais comum seja a acentuada disfunção hepática com icterícia, níveis elevados das enzimas hepáticas, transtorno do apetite e, raramente, até mesmo insuficiência hepática. Outras complicações envolvem o sistema
nervoso, os rins, a medula óssea, os pulmões, os olhos, o coração e o baço. Pode ocorrer ruptura esplênica mesmo com traumatismo mínimo, levando à hemorragia que pode ser fatal. Estudos recentes descobriram uma correlação entre a gravidade da mononucleose infecciosa e o repertório de receptores de células T do hospedeiro, levando à hipótese de que a imunidade heteróloga poderia explicar a variabilidade nos resultados da doença.
Uma complicação mais grave em indivíduos com comprometimento da imunidade das células T, como indivíduos infectados pelo HIV e pacientes submetidos à terapia imunossupressora (p. ex., receptores de transplante de medula óssea ou de órgãos sólidos), consiste na proliferação descontrolada de células B. Esse processo pode ser iniciado por uma infecção aguda ou por reativação de uma infecção latente das células B; em geral, começa como proliferação.
2 – HERPES LABIAL
O herpes-vírus simples (herpes-vírus humanos tipos 1 e 2) geralmente provoca infecção recorrente que afeta a pele, a cavidade oral, os lábios, os olhos e os órgãos genitais. Infecções graves geralmente incluem encefalites, meningites, herpes neonatal e, em pacientes que estão imunocomprometidos, infecção disseminada. Infecções mucocutâneas produzem agrupamentos de vesículas pequenas e dolorosas em uma base eritematosa. O diagnóstico é clínico; pode-se obter confirmação laboratorial por meio de cultura, reação em cadeia de polimerase, imunofluorescência direta, ou sorologia. O tratamento é sintomático; a terapia antiviral com aciclovir, valaciclovir, ou fanciclovir é útil em infecções graves e, se o início for precoce, em infecções recorrentes ou primárias
O herpes labial geralmente é uma recorrência do HSV. Desenvolve-se na forma de úlceras na borda dos lábios (herpes labial) ou, com menos frequência, como ulcerações da mucosa do palato duro (herpes oral).
2.1 Diagnóstico
- História e exame físico
- Às vezes, confirmação laboratorial
- Reação em cadeia da polimerase (PCR) do líquido cefalorraquidiano (LCR) e RM para encefalite por HSV
O diagnóstico da infecção por HSV é frequentemente clínico com base nas lesões características. A confirmação laboratorial pode ser útil, em especial quando a infecção for grave, o paciente for imunocomprometido ou uma mulher gestante, ou as lesões forem atípicas. Um teste de Tzanck (um raspado superficial da base de uma vesícula recentemente rompida, preparado com coloração de Wright-Giemsa) com frequência revela células gigantes multinucleadas em infecção por HSV ou vírus da varicela-zóster.
O diagnóstico definitivo é feito com cultura, soro conversão envolvendo o sorotipo apropriado (em infecções primárias), PCR e detecção de antígeno. Secreções e material para cultura devem ser obtidos de uma vesícula ou da base de uma lesão ulcerada recente. O HSV, às vezes, pode ser identificado por meio de imunofluorescência direta em raspagem de lesões. São utilizadas PCR de líquido cefalorraquidiano e RM para diagnosticar encefalite por HSV.
2.2 Tratamento
- Aciclovir, valaciclovir ou fanciclovir
- Para ceratite, trifuridina tópica (normalmente em consulta com oftamologista)
ATENÇÃO: Tratar a infecção primária por HSV (1 ou 2) com medicamentos, mesmo que precocemente, não previne a possibilidade de recorrência. Então, previnam-se!
Infecções isoladas muitas vezes não apresentam consequências sem tratamento.
Aciclovir, valaciclovir, ou fanciclovir pode ser utilizado para tratamento de infecção, em especial quando for primária. Infecção por HSV resistente ao aciclovir é rara e ocorre quase exclusivamente em pacientes que estão imunocomprometidos. Foscarnet pode ser eficaz em infecções resistentes ao aciclovir.
Infecções bacterianas secundárias são tratadas com antibióticos tópicos (p. ex., mupirocina ou neomicina bacitracina) ou, quando graves, com antibióticos sistêmicos (p. ex., betalactâmicos resistentes à penicilinase). Analgésicos sistêmicos podem ajudar.
Gingivostomatite e faringite podem exigir anestésicos tópicos (p. ex., diclonina, benzocaína, lidocaína viscosa) para alívio dos sintomas. (NOTA: a lidocaína não deve ser engolida porque anestesia a orofaringe, a hipofaringe e, possivelmente, a epiglote. Crianças devem ser observadas quanto a sinais de aspiração.) Casos graves podem ser tratados com aciclovir, valaciclovir, ou fanciclovir.
Herpes labial responde ao aciclovir oral e tópico. A duração de uma erupção recorrente pode ser reduzida por volta de 1 dia aplicando-se penciclovir a 1% em creme a cada 2 horas, durante o dia, por 4 dias, iniciando-se no pródromo ou quando a primeira lesão aparecer. A toxicidade parece ser mínima. Fanciclovir, 1.500 mg em dose única, ou valaciclovir 2 g, por via oral, a cada 12 horas, durante 1 dia pode ser utilizado para tratar herpes labial recorrente. Cepas resistentes ao aciclovir são resistentes ao penciclovir, fanciclovir e valaciclovir. Docosanol a 10% em creme pode ser eficaz quando utilizado 5 vezes ao dia.
Panarício herpético se cicatriza em 2 a 3 semanas sem tratamento. Aciclovir tópico não mostrou ser eficaz. Aciclovir oral ou IV pode ser utilizado em pacientes immunocomprometidos e naqueles com infecção grave.
3 – SÍFILIS
O Treponema penetra na pele/mucosa e gera uma ferida no local de entrada – pênis, ânus, vulva, colo uterino. É uma úlcera única, indolor, que não coça, com bordas bem delimitadas, base endurecida e fundo limpo. Pode cursar com linfadenopatia regional, indolor, que não supura e é unilateral com múltiplos linfonodos.
Como a doença se manifesta na cavidade oral?
Além dessas formas de transmissão, a sífilis também pode se manifestar na cavidade oral, especialmente quando o contato com a bactéria ocorre por meio de beijos ou sexo oral. O cancro sifilítico pode surgir nos lábios, língua, gengivas ou mucosa oral, apresentando as mesmas características de uma úlcera indolor e bem delimitada. Na fase secundária, a
doença pode causar placas mucosas altamente contagiosas na boca, aumentando o risco de transmissão pelo beijo. Assim, o contato direto com lesões orais sifilíticas pode favorecer a disseminação da infecção, tornando o beijo um possível vetor de transmissão.
Epidemiologia
De acordo com o Boletim Epidemiológico de Sífilis publicado pelo Ministério da Saúde em outubro de 2024, o Brasil registrou um aumento significativo nos casos de sífilis nos últimos anos. Em 2023, foram notificados 242.826 casos de sífilis adquirida, resultando em uma taxa de detecção de 113,8 casos por 100.000 habitantes, a maior já registrada no país. Esse aumento representa um crescimento de 39,8% em relação a 2021, quando a taxa foi de 81,4 casos por 100.000 habitantes.
4 – CAXUMBA
Definição
A caxumba, também conhecida popularmente como papeira, é uma doença infectocontagiosa causada por um retrovírus da família Paramyxoviridae, o vírus da parotidite infecciosa. A transmissão se dá somente entre humanos pelo contato direto com gotículas provenientes da respiração, esternutação ou saliva do indivíduo infectado.
Sintomas
É uma doença altamente infecciosa, com eliminação viral na secreção respiratória ocorrendo antes mesmo da manifestação clínica da doença na pessoa infectada, e com período de incubação variando de 12 a 25 dias desde a exposição até o início dos sintomas.
A caxumba se caracteriza pela formação de processos inflamatórios nas principais glândulas salivares: parótida, submandibular e sublingual. A doença inicia suas manifestações clínicas normalmente com alguns dias de febre, cefaleia, mialgia, fadiga e anorexia, resultado do desenvolvimento de edema nas glândulas salivares, com um quadro de dor de ouvido que geralmente precede esse inchaço. O inchaço unilateral inicial é rapidamente seguido de um envolvimento contralateral após alguns dias da sua manifestação em cerca de 90% dos casos dessa patologia. Dores nos testículos/ovários podem acontecer em casos de ocorrência durante o período da puberdade do indivíduo afetado, entretanto, entre 15 a 20 por cento dos casos demonstram-se como assintomáticos.
Tratamento e Prevenção
Por ser uma doença autolimitada, o tratamento para a caxumba é predominantemente sintomático, com a utilização de analgésicos, antipiréticos e anti-inflamatórios, e de suporte, mantendo o paciente hidratado, nutrido e em repouso. Ele também não deve
frequentar ambientes com aglomeração devido ao elevado caráter contagioso dessa virose. A única prevenção para a caxumba se dá por meio da vacinação, a partir da vacina tríplice viral, recomendada pelo Ministério da Saúde logo aos 12 meses de idade. A vacinação é realizada por meio de 2 doses e indivíduos adolescentes ou adultos que nunca foram infectados ou vacinados também devem ser imunizados, excetuados gestantes e imunodeprimidos.
5 – REFERÊNCIAS
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